quarta-feira, 1 de abril de 2009

Sobre o Tao de Capra

Por Aureo H. Ogino, Gumercindo Lobato, Rodrigo R. Cuzinatto



Introdução

Austríaco de nascimento(1de fevereiro de 1939) e tendo obtido seu título de Doutor em Física pela Universidade de Viena em 1966, aos 27 anos, Frijof Capra é um dos nomes mais significativos na divulgação dos progressos da ciência, da filosofia e da ecologia em nossos dias, indo, porém, sua contribuição muito além da mera popularização dos avanços da ciência moderna. Seu nome está vinculado ao surgimento de uma nova maneira de entender a ciência como um dos veículos para a compreensão da realidade, sendo legado ao misticismo antigo a complementaridade dessa tarefa.
Embora reconheça a distinção entre as metodologias empregadas por cientistas e místicos, procura enfatizar que ambos chegam a conclusões harmônicas, um através da física moderna, o outro pelas religiões orientais: as partes componentes da natureza não podem ser consideradas como elementos independentes, que podem ser tomados sistemas isolados de forças externas (como se poderia supor da mecânica newtoniana). De fato, cada componente da realidade estaria em interação contínua com esta, recebendo influência do meio mas também atuando sobre ele, modificando a realidade (exemplo: o problema da medição em mecânica quântica - em um certo sentido, a medição do elétron altera sua natureza).
A noção de intergração pode ser identificada com o que Capra classifica de ecologia profunda, reconhecer a interdependência fundamental de todos os fenômenos e o perfeito entrosamento dos indivíduos e das sociedades nos processos cíclicos da natureza. É essa percepção que, segundo Fritjof Capra, permeava o mundo a época do lançamento de O Tao da Física, e que pode ter tornado seu livro um best seller.

A Obra
O Tao da Física Um Paralelo entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental
Em um verão de 1969, Capra estava sentado em frente ao mar, numa praia da Califórnia, observando as ondas e refletindo sobre os vários movimentos rítmicos da natureza: as ondas, as batidas do coração e o ritmo da respiração associando-os ao que ele sabia, intelectualmente, sobre a "estrutura" física da matéria, que é composta de moléculas e átomos em constante vibração... A união disso tudo, somado aos seus estudos e vivências de tantos anos em Física, juntamente com a visão paradisíaca da praia em que estava, acabou por estimular em Capra, subtamente, aquilo que os psicólogos transpessoais, especialmente Abraham Maslow, chamam de peak experiences, ou experiências culminantes, que são "estalos" intuitivos, ou, consoante a os americanos, insights de súbita compreensão intuitiva sobre algo que se percebe e que está além do nível convencional de racionalização linear. Segundo as palavras do próprio Capra:
"Neste momento, subitamente, apercebi-me intensamente do ambiente que me cercava: este se afigurava a mim como se participasse, em seus vários níveis ritmicos, de uma gigantesca dança cósmica. Eu sabia, como físico, que a areia, as rochas, a água e o ar ao meu redor eram constituídos de moléculas e átomos em vibração constante (...). Tudo isso me era familiar em razão de minha pesquisa com a Física de alta energia; mas até aquele momento, porém, tudo isso me chegara apenas através de gráficos, diagramas e teorias matemáticas. Mas, sentando na praia, senti que minhas experiências anteriores subitamente adquiriam vida. Assim, eu "vi" (...) pulsações rítmicas em que partículas eram criadas e destruídas (...) Nesse momento compreendi que tudo isso se tratava daquilo que os hindus, simbolicamente, chamam de A Dança de Shiva (...)".
"Eu passara por um longo treinamento em Física teórica e pesquisara durante vários anos. Ao mesmo tempo, tornara-me interessado no misticismo oriental e começara a ver paralelos entre este e a Física moderna. Sentia-me particularmente atraído pelos desconcertantes aspectos do Zen que me lembravam os enigmas da Física Quântica (...)".
Fritjof Capra in O Tao da Física (com adaptações dos autores da página), Prefácio.
Hoje em dia, 30 anos depois desta experiência, os paralelos entre ciência moderna - a grande semelhança na forma de ver e entender o mundo que advém da exploração da física subatômica, em especial a Mecânica Quântica, e da Teoria da Relatividade de Einstein - e as várias tradições místicas, quer do oriente, quer do ocidente, já é questão muito debatida e quase lugar comum e é reconhecida por inúmeras pessoas, especialmente em cientistas e escritores como Mário Schenberg, David Bohm, B. D. Josephson, Pierre Weil, Stanislav Grof e muitos outros. O próprio Carl Sagan, geralmente tão cético e explicitamente arredio a estes assuntos, em sua obra prima, Cosmos, se detém, em um de seus capítulos, entre estes paralelos. Mas, antes de Capra, poucas pessoas haviam percebido estes paralelos, ainda que entre os poucos se encontrassem nomes de peso como Niles Bohr e Werner Heisenberg. Capra sabia disso, e, por causa desta experiência por que passara em 69, ele se decidiu - na verdade, se arriscou - a escrever um livro que demonstrasse esses extraordinários paralelos. Foi daí que nasceu, em 1975, O Tao da Física.
O subtítulo desta primeira obra de Capra explicita a que ela veio. O autor explica as teorias da física atômica e subatômica, a teoria da relatividade e astrofísica e relata a visão de mundo que emerge destas teorias para as tradições místicas orientais do Hinduísmo, Budismo, Taoísmo, do Zem e do I Ching.
O paralelo entre as concepções dos físicos e dos místicos efetiva-se quando são levantadas as semelhanças entre elas, não obstantes suas abordagens diferentes. Assinala-se de início que seus métodos são inteiramente empíricos. Os físicos derivam seu conhecimento de experimentos; os místicos de insights na meditação. Ambas são observações e, em ambos os campos, essas observações são reconhecidas como a fonte única de conhecimento. O objeto de observação é, naturalmente, muito diferente nos dois casos. O místico olha para dentro e explora sua consciência em vários níveis, o que inclui o corpo como a manifestação física da mente. Quando somos sadios, não sentimos quaisquer partes isoladas no nosso corpo, mas estamos cônscios de que se trata de um todo integrado. De modo semelhante, o místico está cônscio da totalidade do cosmo, que é experimentado como uma extensão de seu corpo.
Em contraste com o místico, o físico inicia a sua pesquisa penetrando na natureza essencial das coisas pelo estudo do mundo material. À medida em que penetra em reinos cada vez mais profundos da matéria, torna-se cônscio da unidade essencial de todas as coisas e eventos. Mais do que isso, aprendeu igualmente que ele e sua consciência também são partes integrantes dessa unidade. Assim, o místico e o físico chegam à mesma conclusão: um, a partir do reino interior; o outro, do mundo exterior. A harmonia entre suas visões confirma a antiga sabedoria indiana, segundo a qual Brahman, a realidade última externa, é idêntica a Atman, a realidade interior.
Outra semelhança entre os caminhos (Tao) do físico e do místico está no fato de que suas observações tem lugar em reinos inacessíveis aos sentidos comuns. Na física moderna, trata-se do reino atômico e subatômico; no misticismo, os estados são não usuais de consciência nos quais o mundo sensível é transcendido.
Uma vez aceitos esses paralelos poderíamos nos perguntar se toda a ciência moderna, com sua tecnologia e aplicações, pode ser reduzida à sabedoria oriental antiga, ou seja, se os físicos deveriam abandonar o método científico e começar a meditar. A resposta mais razoável a este questionamento é um "não". Em sua descrição do mundo, os místicos utilizam conceitos derivados de experiências meditativas de múltiplos estados de consciência, conceitos esses inadequados a uma descrição científica dos fenômenos macroscópicos. A visão de mundo não é vantajosa para a construção de máquinas, nem para o confronto com problemas técnicos existentes num mundo povoado. A posição mais tolerante seria considerar ciência e o misticismo como faculdades complementares da mente humana, de suas faculdades racionais e intuitivas. O físico moderno experimenta o mundo através de um extrema especialização da mente racional; o místico, através de uma extrema especialização da mente intuitiva. Na ótica da sabedoria chinesa, a ciência poderia ser interpretada como Yang, racional, masculina e agressiva, que possui seu complemento no misticismo oriental, o Yin, intuitivo, feminino e pacífico. A complementaridade, e só ela, levaria a um sentimento de compreensão cósmica, da natureza e do próprio indivíduo como entidades em constante inter-relação.

A Unidade de Todas as Coisas



Embora as tradições espirituais do mundo difiram em muitos detalhes, suas visões de mundo são essencialmente as mesmas. Um hindu e um taoista podem enfatizar aspectos diversos da mesma experiência; um cristão e um muçulmano podem interpretar suas experiências de modos diferentes, não obstante os elementos básicos da visão do mundo desenvolvida em todas essas tradições são os mesmos.
A característica mais importante da visão oriental, e também a essência dessa visão, é a consciência da unidade e da inter-relação de todas as coisas e eventos, a experiência de todos os fenômenos do mundo como manifestação de uma unidade básica. Essa realidade é denominada Brahman no hinduismo, Dharmakaya no budismo, Tao no taoísmo, recebendo dos zen-budistas o nome de Talhata, ou Quididade.
A unidade básica do universo não constitui a única característica central das experiências místicas; ela é, igualmente, uma das mais importantes revelações da Física Moderna. Essa unidade torna-se evidente no nível do átomo e cresce à medida que penetramos no âmbito das partículas subatômicas.
A teoria quântica se baseia na chamada interpretação de Copenhaguen e na teoria quântica desenvolvida por Bohr e Heisenberg no final da década de 20.
Na teoria quântica os sistemas observados são descritos em termos de probabilidades.
Também na teoria quântica somos levados a reconhecer a probabilidade como característica fundamental da realidade atômica que governa todos os processos, até mesmo a própria existência de toda a matéria.
As partículas subatômicas não existem em pontos definidos, em vez disso, apresentam tendências a existir. A figura de uma teia cósmica interligada que emerge da moderna Física atômica tem sido utilizada de forma extensiva no Oriente para expressar a experiência mística da natureza. Para os hindus, Brahman é o fio unificador da teia cósmica, o solo último de todo o ser,
“Aquele com que se acham entrelaçados: o Céu, a Terra, a Atmosfera”.


O Pensamento Chinês O confucionismo e o Taoismo

A idéia de padrões cíclicos do movimento Tao recebe uma estrutura precisa com a introdução dos opostos polares yin e yang. Eles são os dois pólos que estabelecem os limites para os ciclos de mudança.
O yang tendo alcançado o seu apogeu retrocede em favor do yin; o yin tendo alcançado o seu apogeu retrocede em favor do yang. Na concepção chinesa, todas as manifestações do Tao são geradas pela inter-relação dinâmica dessas duas forças.
O significado original das palavras yin e yang corresponde aos lados ensobreados e ensolarados de uma montanha, significado este que nos dá uma boa idéia acerca da relatividade dos dois eventos.
Aquilo que nos apresenta ora a escuridão, ora nos mostra a luz, é o Tao. O yang retorna ciclicamente ao seu início,o yang atinge o seu apogeu e cede lugar ao yin.
Todo esse pensamento e esses ensinamentos são elaborados no I Ching ou Livro das Mutações, um dos livros mais importantes da literatura mundial.
Onde podemos encontrar um paralelo com a filosofia ocidental? São o idealismo de Aristóteles e Platão e o materialismo de Demócrito e Epicuro.
Temos a Física clássica, de Newton e Galileu, materialista e a Física moderna, a mecânica quântica de Bohr e Heisenberg, a relatividade de Einstein, idealistas.
De uma certa forma, a física que chegou ao clímax materialista em fins do século passado, começou a se voltar para o lado idealista em parte do século vinte, e principalmente no seu fim.


O Tao e a Física Comentários Finais

O Tao da Física faz um paralelo entre a Física Moderna e o misticismo oriental. Esse paralelo leva a uma nova visão de mundo seja no contexto científico ou sociológico, onde a característica unilateral é a concepção da unidade e da coexistência e alternância de valores opostos.
Esse pensamento em física surge com a teoria da relatividade, enquanto que nas tradições místicas do oriente, a maior parte de seus conceitos imagens e mitos inclui o tempo e a mudança como elementos essenciais. Essa concepção é a parte integrante da visão da realidade que se torna à base das tecnologias, sistemas econômicos e instituições sociais. Daí a necessidade de dominar e de controlar o conhecimento científico para uma atitude de cooperação e não de violência na sociedade.


Fonte: http://www.ime.usp.br/

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